História do edifício
O edifício onde se encontra instalado o Centro Português de Fotografia, também conhecido como “Cadeia da Relação” começou a ser construído em 1767, sob risco do arquiteto da Lisboa pombalina Eugénio dos Santos e Carvalho, sensivelmente no mesmo lugar onde, no início do séc. XVII, se haviam erguido as primeiras instalações para a Relação e Casa do Porto. O grandioso imóvel, cuja construção durou quase trinta anos, erguido entre o casario, paredes meias com o convento de S. Bento da Vitória e fronteiro à Porta do Olival, veio a alojar o Tribunal e a Cadeia da Relação. A área disponível da edificação, detentora de uma curiosa planta trapezoidal, foi repartida de forma quase equitativa entre Tribunal e Cadeia, sendo que as instalações do Tribunal foram alvo de cuidados acabamentos, ainda hoje visíveis em diversos pormenores construtivos.
No espaço destinado à Cadeia os planos obedeceram às conceções punitivas que vigoravam ao tempo, sendo evidentes as preocupações com a segurança nas grossas paredes de granito, nas grades duplas do piso térreo, nas portas chapeadas a ferro, etc. As áreas de detenção distribuíam-se da seguinte forma:
– No primeiro piso, ao nível do rés-do-chão, situavam-se as enxovias – de Stª Teresa, de Stº António, de S. Victor, de Stª Rita, do Sr. de Matosinhos e de Stª Ana – lajeadas originalmente de granito, escuras, húmidas e frigidíssimas, com acesso apenas por alçapões situados no andar superior;
– No segundo piso, situavam-se os salões de N. Srª do Carmo e de S. José e a saleta das mulheres, também espaços coletivos mas mais salubres;
– No último piso ficavam os quartos de Malta, – concebidos como prisões individuais para “pessoas de condição” e que se encerravam apenas durante a noite, – bem como as enfermarias.
A distribuição dos presos por estes espaços obedecia a critérios que deviam ter em conta o tipo de crime cometido, o estatuto social do detido e a capacidade para pagar a carceragem. Se bem que a ocupação devesse reger-se pelos Regulamentos existentes, eles foram sistematicamente ignorados e a sobrelotação foi uma das características sempre presente.
Para além destas áreas, a cadeia dispunha ainda de uma Casa da Guarda e dos alojamentos do carcereiro, que se localizavam na ala noroeste; da sala do chaveiro, junto à porta da entrada; de um oratório dos réus condenados à morte, no 1º piso; de diversos “quartos para presos incomunicáveis”, e de uma “capela dos presos” de estrutura em madeira, adossada à parede do saguão principal, onde era celebrada a missa. Já no séc. XX, foram disponibilizados novos espaços com outras valências, como o estabelecimento, em 1902, do Posto Antropométrico e a respetiva secção fotográfica, bem como duas pequenas oficinas de alfaiataria e sapataria. Posteriormente foram estabelecidas duas outras oficinas para o trabalho das mulheres, um Parlatório para os presos e suas famílias, etc.
O saguão principal, concebido com funções de iluminação e arejamento da área prisional, viria a tornar-se, em 1862, com a criação do “pátio dos presos”, numa zona vital para o quotidiano do estabelecimento. Com esse objetivo foi inutilizado um enorme tanque ali existente e foram transformadas as janelas das enxovias em portas de acesso. Também na mesma época foi possível destinar uma das dependências da cadeia exclusivamente para “prisão de menores”, sendo que até aí eles permaneciam, indiscriminadamente, entre detidos adultos. As mulheres, pelo contrário, haviam ocupado, desde o início, duas zonas de alojamento, isto é, a enxovia de Stª Teresa e a saleta no segundo piso. Contudo, foi também nos anos sessenta do séc. XIX, na sequência da prisão de duas “senhoras de distinção”, uma das quais Ana Plácido, que foi criado, num pequeno corredor, escuro e gélido, do último piso, um espaço de detenção.
O conceito de prisão penitenciária que se divulgou no séc. XIX entrou, desde logo, em conflito com esta velha prisão setecentista. Por soluções construtivas e infraestruturas deficientes, aliadas à incapacidade financeira do Estado para fazer obras importantes de recuperação, o edifício foi-se arruinando progressivamente ao longo dos anos. Paralelamente, por impossibilidade arquitetónica, não veio a sofrer intervenções de fundo como aconteceu noutras cadeias europeias. Assim, não houve hipótese de criar celas, nem, tão pouco, alojamentos totalmente isolados para mulheres e menores, refeitórios, balneários, etc. Todas as adaptações realizadas, nomeadamente as que ocorreram já no séc. XX, sobretudo depois da saída do Tribunal para outro edifício em 1937, foram feitas em condições precaríssimas, com orçamentos mínimos, tendo sempre em mente a futura transferência para um novo estabelecimento prisional há muito projetado para o Porto.
Em Abril de 1974, alguns dias depois da Revolução, o edifício foi desativado por razões de segurança, sendo os presos transferidos para o Estabelecimento Prisional em Custóias, ainda em construção.
A velha cadeia, que acolheu os mais reputados malfeitores (como o Zé do Telhado), moedeiros falsos, larápios de ocasião, vadios, políticos em desgraça, revolucionários, mas também Camilo Castelo Branco que, no quarto de S. João, lhes iria escrever as estórias, subsistiria, assim, cerca de duzentos anos em plena atividade, mantendo-se como exemplar único, no país, da arquitetura judicial/prisional dos finais do Antigo Regime.
A partir de 1987, o edifício, cedido pela Direção Geral do Património do Estado ao IPPC sofreu um conjunto de intervenções para suster o seu estado de degradação, que foi acompanhado por sondagens arqueológicas, datação de materiais, investigação histórica, etc. Em 1989 foi adjudicado o seu projeto de recuperação e remodelação ao Arq. Humberto Vieira e ao Gabinete de Organização e Projectos, Ldª. Em 2000 foi iniciada uma última intervenção de adequação às suas novas funcionalidades – o Centro Português de Fotografia -, cujo projeto se deveu aos Arqs. Eduardo Souto Moura e Humberto Vieira.
Maria José Moutinho Santos
Margarida Santos Coelho